sábado, 24 de outubro de 2009

Governo quer que pequeno traficante não vá para cadeia

Mudanças na lei antidrogas que serão propostas pelo governo ao Congresso, até o fim do ano, vão livrar os pequenos traficantes da cadeia. Quem for flagrado pela polícia vendendo pequena quantidade, estiver desarmado e não tiver ligação comprovada com o crime organizado será condenado a penas alternativas. Com as inovações na Lei 11.343, que instituiu o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas, o governo pretende evitar que essas pessoas sejam cooptadas, nos presídios, por facções criminosas, além de permitir que a polícia concentre o trabalho de repressão nos grandes traficantes e no crime organizado, conforme adiantou o secretário de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça, Pedro Abramovay.

Da forma como foi aprovada a atual legislação, quem trafica pequena quantidade pode ter uma condenação abrandada, chegando ao mínimo de 1 ano e 8 meses de prisão, mas essa penalidade não pode ser convertida em pena alternativa. A análise de 9.252 ocorrências que resultaram na prisão de traficantes na capital paulista entre 2007 e o primeiro semestre deste ano mostra, por exemplo, que nove em cada dez traficantes em São Paulo são presos com menos de 1 quilo de maconha, 500 gramas de cocaína ou 50 gramas de crack, conforme o Estado revelou no dia 4.

"Precisamos trabalhar uma mudança na lei para que as pessoas que se envolvem esporadicamente com as drogas e não têm relação com o crime organizado cumpram penas alternativas", afirmou Abramovay. "Isso não é nenhuma questão de bondade ou de leniência com o tráfico. É uma questão de estratégia", argumentou.

Dados de uma pesquisa da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e da Universidade de Brasília (UnB), financiada pelo Ministério da Justiça, mostram que 66,99% dos presos por tráfico de drogas são réus primários e apresentam bons antecedentes. Em 60% dos 103 casos analisados em dois anos pelos pesquisadores, somente uma pessoa é acusada pelo crime de tráfico, ou seja não existe uma associação clara com um grupo criminoso. Pessoas com esse perfil, no período em que ficam presas, ou à espera de julgamento, ou quando já condenadas, acabam arregimentadas no presídio por organizações criminosas para, quando deixarem a cadeia, continuarem a traficar - mas quantidades maiores.

STJ nega liberdade em 80% dos casos

Outro ponto da lei antidrogas que deve ser alterado, a depender da vontade do governo, é o artigo que impede que pequenos traficantes aguardem em liberdade o julgamento. Uma pessoa acusada de homicídio pode se beneficiar da liberdade provisória. Mas aquele que vende cinco trouxinhas de maconha, por exemplo, está obrigado a ficar preso até o fim do processo. Além dessa incoerência, o governo considera que essa medida pode, futuramente, ter a constitucionalidade contestada no Supremo Tribunal Federal (STF). Hoje, pelo Código de Processo Penal, a manutenção da prisão em flagrante ou preventiva deve ser devidamente justificada pelo juiz responsável pelo caso.

Apesar dessa análise, as Cortes superiores têm optado por manter a lei na íntegra. Em 80% dos casos que chegaram ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), solicitando a concessão de liberdade provisória, o benefício acabou negado pelos ministros. "A maioria das decisões, em dois anos de acórdãos pesquisados, repisou o mesmo argumento: a vedação legal da lei de drogas impossibilita a revogação da prisão provisória do sujeito criminalizado", esclarece pesquisa da Universidade Federal do Rio (UFRJ) e da Universidade de Brasília (UnB), financiada pelo Ministério da Justiça.

O Ministério entende que condenar esses traficantes considerados pequenos à pena de prisão acaba por fortalecer o tráfico. "O que estamos fazendo com a maior parte deles, e hoje são 80 mil, é entregá-los de mão beijada para o crime organizado, depois de um ano e pouco que passam na prisão. Isso está equivocado", disse o secretário de Assuntos Legislativos, Pedro Abramovay. "Temos de restringir a atuação da polícia e o sistema penitenciário para os grandes traficantes. Para os pequenos temos de dar outra abordagem."

Com as medidas que devem ser analisadas ainda neste ano pelo Congresso, o governo planeja começar a mudar uma tendência preocupante nos presídios brasileiros: o aumento nas detenções por tráfico. O crime aparece como segunda principal causa de condenação no País - só perde para os chamados crimes envolvendo patrimônio: roubo e furto.

Mesmo assim, a repressão não tem levado a um combate efetivo. Levantamento do Grupo de Atuação Especial de Repressão e Prevenção aos Crimes Previstos na Lei Antitóxicos (Gaerpa), do Ministério Público de São Paulo, obtido com exclusividade pelo Estado, revelou no dia 4 o mapa do tráfico paulistano. A principal constatação é de que, apesar do aumento no número de prisões e apreensões de drogas, os criminosos estão espalhados por 92 dos 95 bairros.

Felipe Recondo, BRASÍLIA

O ESTADO DE S. PAULO - METRÓPOLE

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