terça-feira, 13 de outubro de 2009

Casos de pequenos furtos ocupam a pauta do Supremo

Os ministros da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) tiveram recentemente uma acalorada discussão sobre a concessão de liberdade a um condenado pela tentativa de furto de cinco barras de chocolate em um supermercado mineiro. O caso, após passar por três instâncias do Judiciário, teve um desfecho favorável ao acusado, que havia sido sentenciado em primeira instância à pena de um ano e quatro meses de reclusão. Um condenado a dois anos de prisão pelo furto de caixas de chiclete, avaliadas em R$ 98,80, não teve, no entanto, a mesma sorte. Como não se tratava de um "furto famélico" - quando a pessoa subtrai alimentos para saciar a fome - e já havia antecedentes criminais, ele teve o apelo negado.

Pedidos de habeas corpus contra prisões resultantes de furto de objetos de pequeno valor ou de delitos de descaminho chegam quase que diariamente às mãos dos ministros do Supremo, responsáveis por dar a palavra final em casos de grande repercussão social. A esses casos os ministros têm aplicado o princípio da insignificância ou da bagatela - quando o potencial ofensivo do ato é levado em conta para descaracterizar o crime.

A maioria dos habeas corpus é ajuizada no Supremo pela Defensoria Pública da União contra decisões do Superior Tribunal de Justiça (STJ) - que também tem aplicado o princípio da insignificância - pela manutenção das prisões e das denúncias feitas contra os acusados. No ano passado, o terceiro motivo mais utilizado para a concessão do benefício foi o princípio da bagatela. Um total de 31 pedidos foi deferido em 2008, de acordo com a assessoria de imprensa do Supremo. Em 2009, até o dia 30 de setembro, foram 33.

Na prática, presos por pequenos furtos têm que passar pela primeira instância e três tribunais para obter uma decisão final favorável. Casos que, de acordo com o advogado Celso Sanchez Vilardi , do escritório Vilardi Advogados Associados, poderiam parar na primeira ou na segunda instância se os juízes aplicassem o princípio da insignificância - assunto que, mesmo nas cortes superiores, ainda causa muitas discussões. "Muitos juízes ignoram o princípio da insignificância", diz. "São fatos banais que jamais deveriam estar tomando o tempo dos ministros."

Sem a aplicação do princípio - que não está previsto expressamente na lei brasileira - pelas instâncias inferiores, casos como esses vão se acumulando nas mãos dos ministros do Supremo e do STJ, cortes que já conseguiram reduzir o número de recursos julgados com a Reforma do Judiciário, a Emenda Constitucional nº 45, de 2004, que criou os mecanismos da repercussão geral, súmula vinculante e recursos repetitivos . "O Supremo continua sobrecarregado. Há dias em que passamos a tarde inteira julgando só habeas corpus. Parece uma turma criminal", diz o ministro Marco Aurélio, da Primeira Turma do STF, que reclama de desvirtuamento no uso do habeas corpus. "Prefere-se o habeas corpus ao recurso contra decisões do STJ. Neste caso, não há prazo legal."

Os pequenos furtos seguem os mesmos trâmites judiciais dos assaltos à mão armada, ou mesmo dos crimes de colarinho branco. Como a pena nestes casos pode ultrapassar dois anos, os chamados crimes contra o patrimônio não podem ser julgados pelos juizados especiais criminais. "É uma falha da Lei nº 9.099, que criou os juizados", diz o promotor de Justiça de Direitos Humanos em São Paulo, Luiz Roberto Salles Souza. "Com isso, o autor de um pequeno delito acaba indo para a cadeia, enquanto o responsável por um crime de colarinho branco, com uma boa defesa, raramente é preso", afirma.

Quando chega aos tribunais superiores, a questão é decidida caso a caso. A jurisprudência sobre a aplicação do princípio da insignificância ainda está sendo formada. No Supremo, antecedentes criminais e furto de supérfluos são motivos para os ministros afastarem a aplicação do benefício. Para a corte é um preceito que reúne quatro condições essenciais para ser aceito: a mínima ofensividade da conduta, a inexistência de periculosidade social do ato, o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e a inexpressividade da lesão provocada.

No STJ, a situação econômica do réu é condição determinante para a concessão de habeas corpus, mas quase não se questiona a reincidência de quem cometeu o delito. A Sexta Turma fixou o entendimento de que maus antecedentes não impedem a aplicação do princípio da insignificância. Neste caso, os ministros inocentaram um homem que furtou um boné e foi condenado a um ano e seis meses de reclusão. A relatora do caso, desembargadora convocada Jane Silva, concluiu que não é finalidade do Estado encher cadeias com pessoas que praticaram pequenos furtos. Para ela, esses presos, em contato com criminosos mais perigosos, passariam a se aperfeiçoar no crime.

Há, no entanto, quem demonstre preocupação com o tema. Ao analisar o caso de uma senhora que levou oito frascos de creme hidratante de um supermercado, que chegou à Quinta Turma do STJ, o ministro Napoleão Nunes Maia Filho expressou seu temor que a aplicação do princípio da insignificância sirva para incentivar uma pessoa a começar a praticar grandes furtos. Ela, porém, foi "inocentada".

Cortes divergem sobre crime de descaminho

Os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Superior Tribunal de Justiça (STJ) divergem sobre a aplicação do princípio da insignificância para os casos de crime de descaminho - a importação de produtos sem o pagamento dos impostos -, previsto no artigo 334 do Código Penal. A Terceira Seção do STJ, que reúne os ministros da Quinta e da Sexta Turma - fixou o entendimento de que não é possível recorrer ao preceito se o valor do tributo devido for superior a R$ 100. No Supremo, o teto estabelecido é de R$ 10 mil.

Ministros do Supremo levam em conta o artigo 20 da Lei nº 10.522, de 2002, que estabelece o arquivamento dos autos dos processos de execução fiscal por débitos iguais ou inferiores a R$ 10 mil. Em dois casos analisados recentemente pela Primeira Turma, o ministro Carlos Ayres Britto, que o relatou, entendeu que, do ponto de vista formal, a conduta é delituosa e se encaixa no tipo penal previsto no artigo 334. Mas, como se trata de caso em que a própria administração não vai buscar reaver o débito, não há que se mobilizar o Judiciário nesses casos, justificou. Apenas o ministro Marco Aurélio votou em sentido contrário. Para ele, principalmente com relação ao Paraguai, a prática é constante, e precisa ser inibida.

A tese - que chegou a ser adotada pela Sexta Turma do STJ - foi levada ao Supremo pela Defensoria Pública da União. "Se a Fazenda considera esse valor insignificante para promover a execução contra o devedor do tributo, não há razão para ele não ser aplicado nos delitos de descaminho", diz o defensor público designado para atuar no Supremo, Gustavo de Almeida Ribeiro.

Arthur Rosa, de São Paulo
fonte VALOR ECONÔMICO - LEGISLAÇÃO & TRIBUTOS

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