sábado, 19 de dezembro de 2009

Especialistas questionam aplicação da delação premiada no Brasil

Pivô do mais grave escândalo de corrupção no Distrito Federal, o ex-secretário de Relações Institucionais, Durval Barbosa vive hoje sob proteção de forte aparato da Polícia Federal e seu paradeiro é um dos grandes mistérios.

– Está em Lins – brinca um policial, ao repetir a gíria mais usada nos últimos dias para indicar que Barbosa está em “lugar incerto e não sabido”.

Policial experimentado, operador de esquemas de corrupção em dois governos, alvo de 32 processos judiciais por desvio de recursos públicos, Barbosa surpreendeu o Ministério Público Federal e a polícia ao pedir proteção e redução da pena em troca da delação. O benefício é inspirado na mesma legislação que levou a Itália, na década de 1980, a estimular mafiosos arrependidos a entregar os chefões em troca da redução da pena e garantia da integridade física.

Com golpe desferido contra a Máfia, as investigações desembocariam mais tarde, em 1990, na famosa Operação Mãos Limpas, um desdobramento das relações entre mafiosos e instituições até então sólidas, como os bancos Ambrosiano e do Vaticano com a loja maçônica P-2. As descobertas só foram possíveis com a ampliação da delação premiada para alcançar, além da Máfia e o terrorismo, os grandes esquemas de corrupção.

– A delação deve favorecer a sociedade. É um instrumento judicial para ser usado com cautela porque pode destruir alguém – diz o juiz aposentado Walter Fanganiello Maierovitch, ex-titular da Secretaria Nacional Anti-Drogas. A regra básica é uma filtragem rigorosa nas revelações e o confronto entre as informações e os fatos para só depois considerar a redução da pena, hipóteses que, segundo Maioerovitch, nem sempre são levadas em conta no Brasil.

A qualidade do alvo das investigações é outro fator a ser considerado pela justiça na hora de negociar com o delator. No caso de Brasília, trata-se da autoridade mais importante e, supostamente, de um dos maiores esquemas de corrupção já descobertos no país. As imagens do governador e parlamentares apanhando propinas, indicam as investigações, pode ser apenas a ponta do iceberg.

As revelações de Durval Barbosa guardam pelo menos duas semelhanças com o caso italiano: envolve corrupção partidária sistêmica e o autor percebeu que corria sério risco de vida. Procuradores e policiais chegaram a pensar que o ex-secretário estava a serviço do ex-governador Joaquim Roriz ou que simplesmente queria atenuar a pena. Resolveram ir em frente ao perceber sinceridade de Durval Barbosa. Além do risco concreto que ele e a família corriam, também estava abrindo mão de uma verdadeira fortuna, da privacidade e se submetendo a uma rotina de segurança que o acompanhará por tempo indeterminado. Testemunha e réu confesso, virou um homem marcado ao atingir uma variedade de interesses.

O ex-secretário já havia gravado por conta própria a rotina de alguns dos pagamentos, mas se dispôs a seguir integralmente a orientação da polícia. Durante 60 dias gravou vídeos e áudios, recolheu documentos e produziu aquilo que procuradores e policiais consideram a cereja do bolo: um arsenal de provas, em imagem e som ainda inéditos, cujo monitoramento foi autorizado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) depois de uma análise nos vídeos já divulgados.

Antes que a Polícia Federal deflagrasse a Operação Caixa de Pandora, Durval Barbosa ajudou nos detalhes. Chegou a marcar com tinta especial uma boa parte do dinheiro de corrupção que empresários deixaram em seu gabinete nos últimos dois meses para facilitar a identificação da propina, cujos beneficiários ele listou em vários depoimentos.

– O que ele disse envolve interesses grandiosos. Tenho a impressão que foi motivado por um sentimento de injustiça – argumenta o advogado de defesa, Everardo Ribeiro, que garante ter perdido o contato com Durval Barbosa depois que este decidiu colaborar com as investigações. Para Ribeiro, a série de ações concatenadas adotada por seu cliente – “um homem calmo, tranquilo, boa conversa e de fácil relacionamento social” – só se justifica diante de uma ocorrência forte dentro do grupo político ao qual pertencia.

Vasconcelo Quadros , Jornal do Brasil
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