terça-feira, 1 de dezembro de 2009

Cibercrime é praticado por empregado

Como num apagão, uma empresa viu sua produção despencar de uma hora para outra. Uma invasão no sistema fez o software de controle que interliga todas as áreas de produção da empresa, desde o chão de fábrica até o financeiro, desligar-se. A empresa foi ao Judiciário para identificar os responsáveis e receber indenização pelos prejuízos. O advogado Renato Opice Blum, do escritório Opice Blum Advogados, conseguiu mandado de busca e apreensão e estão sendo realizadas as perícias para o ajuizamento de ação cível e criminal. Já se sabe que o responsável pela invasão foi um ex-funcionário, como acontece na maioria dos casos, segundo especialistas. Porém, como ainda não há lei contra crimes cibernéticos, nem decisão judicial final sobre casos deste tipo no Brasil, o advogado usará decisões do Judiciário de outros países para tentar conseguir responsabilizar o invasor, com direito ao ressarcimento dos prejuízos que a empresa sofreu.

Em outro caso, um ex-funcionário invadia periodicamente o sistema de logística da empresa onde trabalhava. "Como hoje em dia empresas terceirizadas cuidam das cópias de informações dos sistemas das grandes empresas, o chamado backup, pode levar horas para as informações serem restauradas", explica Opice Blum. "E tempo é dinheiro", diz.

Segundo o advogado, as chances de identificação do invasor são grandes, mas ainda não há decisões no país que imponham sua responsabilização. Uma das decisões que o advogado usará no processo é da Justiça americana. Nela, o invasor foi condenado a oito anos de prisão e ao pagamento de US$ 12,3 mil. Isso porque foi comprovada a invasão, mas não o uso de informações com o objetivo de fraude. Em outra decisão, a Justiça dos Estados Unidos condenou o estagiário de um escritório de advocacia a dois anos e seis meses de prisão por ter acessado o computador do chefe, sem autorização. A intenção era enviar a estratégica jurídica da banca para o escritório que defendia a outra parte no processo.

Blum explica que não há como condenar alguém pela invasão em si porque não existe esse crime em lei brasileira. Hoje, tramita na Câmara dos Deputados um projeto de lei, já aprovado no Senado, que institui uma lei contra crimes cibernéticos. Enquanto a lei não é sancionada, são utilizados o Código Penal e a Lei nº 9.279, de 1996, que regula a propriedade industrial, para condenar o invasor quando, por exemplo, é divulgada informação confidencial da empresa. "Nesse caso, a pena é de até um ano de prisão ou multa", afirma Opice Blum. Mas se é provado que a intenção do invasor seria destruir coisa alheia, a pena seria de detenção de um a seis meses ou multa.

Em mais da metade dos casos, o responsável pela invasão é o ex-funcionário ou o empregado. Essa é a constatação do perito em crimes cibernéticos, Wanderson Castilho, que atua desde 1999 na área e já resolveu mais de 400 casos. "Muitas vezes, o funcionário é demitido e alega que foi injustiçado", diz. O perito afirma que diretores de tecnologia da informação de grandes empresas, quando estão há muito tempo na companhia e dominam o setor mais do que o presidente da empresa, não aceitam a demissão. E por vingança, atacam o sistema da empresa. Segundo ele, outros responsáveis pelas invasões são os hackers que atuam sozinhos ou em equipes de profissionais contratadas por empresas concorrentes, totalizando 30% dos casos. As demais situações são geradas por vírus.

Um funcionário de um banco, em conluio com uma quadrilha, usou informações do sistema da instituição financeira onde trabalhava para a falsificação de cartões de crédito. De acordo com o advogado David Rechulski, do escritório David Rechulski Advogados, que representa o banco na Justiça, o prejuízo foi superior a R$ 1 milhão. "Na esfera cível, não houve indenização, mas na criminal o então funcionário deverá ser condenado a quatro anos de prisão por estelionato", afirma. Para Rechulski, o problema é que, com a legislação atual, em caso de invasão de sistema, é aplicada pena contra crime de menor potencial ofensivo por prejuízos milionários.

Quando há envolvimento de concorrente, diversos são os casos de espionagem industrial. A contratação de equipes de hackers para descobrir segredos do concorrente custa em torno de R$ 30 mil, segundo Castilho. "Mas, na maioria das vezes, não se chega ao concorrente", diz. Em um dos casos dos quais ele participou, hackers invadiram o sistema de uma empresa e conseguiram captar diversas informações, entre elas, o preço pelo qual a companhia estava entrando em uma licitação de R$ 12,5 milhões. "Há fortes indícios de que, de posse da informação, a concorrente participou da licitação e ganhou o cliente por uma diferença de preço de apenas R$ 150", diz. "O hacker foi identificado, mas não houve provas suficientes para condenar a concorrente."

Difamação on-line gera condenações judiciais

As empresas têm conseguido decisões judiciais por terem sido difamadas pela internet, seja por blogs, Orkut ou YouTube. Apesar de ainda não existir lei contra crimes cibernéticos no país, os advogados das empresas baseiam-se no Código Civil para obter indenizações e providências práticas como tirar uma comunidade do Orkut da internet.

Em torno de 26 processos analisados pelo perito Wanderson Castilho, que atua em casos de crimes cibernéticos desde 1999, o consumidor difamou a empresa ou produto por sentir-se maltratado. "Em um dos casos o consumidor criou blog para falar mal da empresa que o insatisfez", afirma. "Em outro caso, o concorrente criou um vídeo falando mal dos produtos, que foi parar no YouTube", conta. No caso de uma empresa que vende motocicletas, foram registrados mais de 23 milhões de acessos.

O perito afirma que a condenação do autor depende da coleta de indícios. "E quanto mais cedo a investigação começar, maior chance de identificar o autor", afirma Castilho. Isso porque os rastros da ação são fáceis de serem deletados e tirados da rede on-line.

O advogado Leandro Bissoli, do escritório Patricia Peck Pinheiro Advogados, afirma que há decisões que podem levar até dois anos para serem finalizadas na primeira instância em razão das dificuldades encontradas pela perícia. Bissoli afirma que o fato de não existir um termo de cooperação internacional para facilitar a troca de informações entre países, quando se trata de operações mais complexas, colabora para a morosidade dos processos judiciais nesses casos.

Laura Ignacio, de São Paulo
VALOR ECONÔMICO - LEGISLAÇÃO & TRIBUTOS

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