sexta-feira, 2 de abril de 2010

Justiça da Itália condena executivos do Google por violação de privacidade

A Justiça italiana condenou ontem três executivos do G. por violação de privacidade. O processo foi iniciado a pedido de uma organização e do pai de um garoto com autismo que aparecia em gravação, divulgada no G.V. em 2006, sendo humilhado por colegas.

A empresa, que vai recorrer, definiu como um ataque "assombroso" à liberdade de expressão na internet. O governo americano reagiu e alertou, em um comunicado da Embaixada dos EUA em Roma, que "internet livre é um direito humano inalienável".

Em setembro de 2006, estudantes disponibilizaram no G.V. - semelhante ao Y.T. - uma gravação de celular de um garoto com autismo sendo humilhado pelos colegas. Nas cenas, a associação V.V. D. (que auxilia pessoas com síndrome de Down) foi citada.

O pai do garoto e a instituição resolveram processar a empresa por difamação e violação de privacidade. Um tribunal de Turim absolveu quatro funcionários do Google pela primeira acusação, mas condenou três deles pela segunda. A pena estipulada são seis anos de prisão, mas a empresa vai recorrer. A ação deve continuar por alguns anos e os três condenados permanecerão em liberdade - nenhum deles vive na Itália.

O G. argumenta que retirou imediatamente o vídeo quando foi notificado do seu conteúdo e cooperou com as autoridades italianas para identificar os agressores e levá-los à Justiça. "Se empregados como eu podem ser responsabilizados criminalmente por qualquer vídeo em uma plataforma de hospedagem, mesmo sem nenhuma relação pessoal com seu conteúdo, então nossa imputabilidade é infinita", afirmou Peter Fleischer, um dos executivos condenados, chefe do conselho de privacidade do Google. "A decisão levanta questões mais amplas como a continuidade de muitas plataformas de internet que são os alicerces essenciais da liberdade de expressão na era digital."

Serviços para compartilhar vídeos na internet - como G.V. e Y.T. - costumam confiar nos usuários para notificar conteúdos potencialmente problemáticos, que são retirados quando violam os termos de adesão ao serviço. A empresa argumenta que seria impossível analisar ou editar todos os filmes antes de disponibilizá-los na internet, pois o volume de imagens é imenso.

"Estamos muito satisfeitos que alguém tenha assumido a responsabilidade", disse o advogado da Associação V.D., Guido Camera. A instituição também divulgou nota em que afirma que o objetivo da ação "não era censurar a internet, mas obter uma sentença que reconhecesse a tutela dos direitos fundamentais da pessoas, entre eles o direito à privacidade".

Paolo Brini, do Movimento ScambioEtico, grupo italiano que defende a internet livre, afirmou que a decisão é injusta. "Nunca na história alguém pensou em prender um carteiro porque carregava um pacote com conteúdo ilegal."

"O direito de uma empresa não pode prevalecer sobre a dignidade de uma pessoa. Esta sentença deixa isso claro", afirmou o promotor Alfredo Robledo.

A Europa tem sido um mercado difícil para o Google. A empresa argumenta que a legislação local isenta os sites de responsabilidade pelo conteúdo enviado pelos usuários. Mas alguns especialistas acreditam que se trata de uma área nebulosa. A lei em vigor foi adotada há dez anos.

CIENTISTAS CHINESES

O gigante das buscas na internet também mantém um permanente conflito com o governo chinês - que patrocinou um ataque de hackers à empresa e mantém um sofisticado sistema de censura na internet.

Mas um levantamento divulgado hoje pela revista Nature mostra que 84% dos pesquisadores consultados no país consideram que a proibição do acesso à página do G. prejudicaria "de alguma maneira ou significativamente" seu trabalho. Cerca de 75% afirmaram usar a ferramenta como primeira opção na busca de informações. Um cientista chinês comparou a realização de pesquisas sem o Google à "vida sem eletricidade".

Caneta de juiz não controla atitude na rede

A derrota do G. nas cortes italianas não pode ser vista de forma isolada: há um cerco se formando contra a empresa na União Europeia.

No início da semana, a UE abriu uma investigação antitruste. Alegam que o G. tem controle sobre quem aparece ou some da internet - e isto seria poder demais para uma empresa só.

No fim do ano passado, a derrota foi na França. Um tribunal afirmou que o G. não pode, como deseja, digitalizar livros que já saíram dos catálogos das editoras. Em outros países, os juízes têm tido o cuidado de equilibrar o dilema: o interesse do leitor de ter acesso a um livro que não está no mercado contra a lei de direitos autorais, mesmo quando o autor não é localizável.

A internet em geral, o G. em particular, está fazendo o mundo reavaliar velhas convicções. Novas possibilidades tecnológicas permitem acesso a mais e mais informação - o que às vezes é bom, mas nem sempre.

Cortes distintas encaram os novos dilemas de formas diferentes. Na Europa a opção tem sido conservadora. O problema é que a caneta de juiz não controla o comportamento na rede.

Pedro Dória
O ESTADO DE S. PAULO - VIDA &

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